segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O Protestantismo é Antiartístico?



Igreja Luterana na Alemanha


No Brasil, o protestantismo e o evangelicalismo são pobres artisticamente e isso infelizmente é um fato indiscutível. Esta pobreza artística é fruto de conjunturas históricas enraizadas na formação do Ethos evangélico brasileiro que influenciado pelo evangelicalismo estadunidense, pelo pentecostalismo, pelo profundo embate com o catolicismo e pela formação da religião principalmente entre os mais pobres e não alfabetizados criou uma cultura da não cultura artística no Brasil evangélico. 

Na contemporaneidade, a inexpressividade artística cristã protestante deixou um povo carente de rico imaginário, o que consequentemente abriu espaço para uma iniciativa mercadológica que trouxe ao Brasil como arte o pior da indústria cultural cristã do mundo e o mais prejudicial disso foi que o sectarismo fundamentalista que envolve nosso  Ethos permitiu que este produto transvestido de artigo de fé e obra de arte infestasse como uma doença nossos cultos, como se fosse de fato elemento litúrgico, acabando com o já insipiente resquício de uma expressividade genuína na arte cristã por aqui. 

Mas, voltando ao princípio... o protestantismo brasileiro é antiartístico em todas as áreas. Além dos fatos já citados no parágrafo introdutório a própria educação neste país nos ajuda a criar o falso pensamento de que ser protestante é ser destituído de um imaginário artístico sacro. Primeiramente, nenhuma aula de história ou religião que tenho conhecimento faz menção a proibição que o governo brasileiro fazia aos evangélicos em relação aos seus aparatos litúrgicos, sua simbologia, suas artes plásticas e sua arquitetura. Salvo raras exceções, a maioria não podia construir igrejas na forma de igrejas, usar vitrais, cruzes, nem utilizar de vestes ou aparatos, como crucifixos,  que evocassem um imaginário cristão. 

É bem verdade que partes do protestantismo se colocaram em oposição a expressão artística no decorrer da história, principalmente aquela que encontra nas artes plásticas um cenário de expressividade, os puritanos, os anabatistas, parte do calvinismo e outros grupos da reforma radical foram exemplos disso. No entanto, o imaginário artístico cristão protestante nunca foi abandonado, e se 

O imaginário protestante, segundo Manuel Lopes, não se esmerou em preservar o desejável equilíbrio entre palavra e imagem, [ele]  ficou voltado para o texto literário ou musical. Para o discurso da expressão oral (sermões) e para a acústica (hinos)
E foi assim que o protestantismo brindou o mundo por exemplo com Bach,

 que referido como “o maior compositor protestante”... “músico e protestante tardio da Reforma, manteve intactas a inspiração e a teoria estética de Lutero”. Textos e músicas de suas duzentas cantatas e “Paixões” são testemunhas da existência de um “imaginário” protestante de grande profundidade .
 Infelizmente, nem esse apreço pela música nos restou, a pasteurização de canções estrangeiras se tornaram parte cotidiana dos nossos cultos, onde a apreciação das canções e a valorização da teologia pela estética musical foram deslocadas para o abismo em prol da apresentação de um novo repertório que mais parece um "museu de grandes novidades". E o que dizer dos sermões? Por diversas vezes, o que deveria ser uma real exposição da verdade bíblica se transforma em mais uma péssima apresentação humorística ou simples doutrinação à subserviência acrítica. 

Ainda sobre as artes plásticas e a problemática da idolatria, relação bastante destacada por líderes brasileiros, as palavras de Thiago Surian podem ajudar, 

Bom, a Bíblia não proíbe fazer imagens, tirar fotos, assistir TV, olhar quadros, enfim, representar ou olhar para representações visuais das coisas. Deus até mandou fazer imagens de anjos na arca da aliança logo depois de proibir a adoração a imagens (Êxodo 25:17-22). O que a Bíblia condena é atribuir algum poder, espírito, sorte ou alma às imagens e pedir coisas a imagens como se houvesse algo nelas, ou que elas fossem algum ponto de contato com a entidade espiritual (deuses, santos mortos, pessoas mortas, pessoas vivas, etc), ou então pedir coisas a outras entidades espirituais que não a Deus, ou amar qualquer coisa terrena mais que ao próximo e a si mesmo, amor grande assim só deve ser devotado a Deus. Isso sim é que é idolatria e nisso condenamos os católicos, espíritas, adolescentes fãs de artistas gospel ou seculares e adeptos de qualquer religião, corrente de pensamento ou modismo social que assim procedem. Mas ter uma representação visual de algo não é condenado pelo Senhor. Aqui uma simples interpretação de texto, sem muita aplicação até de hermenêutica bíblica, já deixaria essa questão bem clara.
Como se vê a idolatria vai mais além da imagem e da estética plástica. Esta, inclusive, pode ser entendida como ferramenta a evangelização, nas palavras de Lutero,

É melhor que se pinte nas paredes, como Deus criou o mundo, como Noé construiu a Arca, e outras belas histórias, do que quaisquer outras mundanamente vulgares. Ah, quisera Deus que soubesse convencer os Senhores e Ricos para que pintassem a Bíblia inteira por dentro e por fora das casas, para que todos pudessem ver. Isso seria uma obra fielmente cristã.


Então, talvez pudéssemos nos perguntar, o que foi destruído e porque foi destruído dentro dos círculos protestantes no que consta as artes, afinal, coisas foram destruídas não? Sim foram, mas a própria Reforma ajudou na produção de volume expressivo de arte e além disso 

A destruição de obras de arte não ocorreu em função de sentimento anti-artístico, mas como símbolos religiosos que representavam heresias explícitas diante da qual a Reforma estava se posicionando contra por outras razões. (SCHAEFFER, 2008)
Além disso, muitos dos simbolismos, representações, imagens e festas do culto cristão que foram desenvolvidos pela história do cristianismo, antes do protestantismo, foram mantidos com a ideia de ensino pedagógico da Palavra de Deus. Isso fazia-se necessário porque saber ler era um privilégio para poucos durante milênios da história humana e  foi até o próprio protestantismo um dos responsáveis pela mudança, incentivando a educação pública e gratuita para que todos pudessem ler a Palavra de Deus.

O decorrer do tempo demonstra o quanto a ligação entre símbolo, imaginário e religião não podem ser desconstruídos, na contemporaneidade, inclusive em solo brasileiro com o avanço educacional e a formação de uma geração interessada na busca de suas raízes e combate do massante produtivismo religioso,  evangélicos mantém e expandem sua promoção da arte sacra, apesar de, ao meu ver, esta promoção ser escassa e carente de maiores investimentos financeiros e simbólicos. 

Assim, Não devemos entender que a fé é destituída da arte. O cristianismo não é uma religião que se preocupa apenas com almas, Wesley ressaltou a necessidade da integralidade de relacionamento entre todas as esferas da criação e Deus, a restauração operava-se do homem à Deus, do homem ao homem, e do homem à criação. Portanto, a cultura é ambiente de atuação do exercício da remição, como nos ensina Robinson Cavalcanti, 

nós cristãos somos ensinados que a humanidade tem um mandato cultural que foi maculado pelo pecado original e que é dever da Igreja recuperá-lo segundo o ideal do Criador, ao promover os valores do reino de Deus, o direito natural e o bem comum. Também aprendemos que devemos fazer isto como mensageiros, missionários, evangelistas, embaixadores, sal e luz, não de uma cristandade político-militar ou teocrática, mas como uma comunidade afirmadora da soberania de Deus sobre a história e do reinado do singular Jesus Cristo sobre as nações -- o que implica uma evangelização das culturas chamadas à transformação segundo o projeto do Senhor e o caráter de Cristo.


Com isso, se faz necessário o resgate da nossa criatividade das amarras dos padrões medíocres, o resgate do símbolo e do imaginário presos nas jaulas da publicidade evangélica. De uma vez por todas, o fantasma da antiarte precisa ser exorcizado de nossos arraiais.  


REFERÊNCIAS

ALTMANN, Lori. Cristianismo e Arte: imaginário protestante. http://www3.est.edu.br/nepp/revista/007/ano04n2_03.pdf. 2005

CAVALCANTI, Robinson. Protestantes não iconoclastas. http://pavablog.blogspot.com.br/2009/12/protestantes-nao-iconoclastas.html, 2009 

CAVALCANTI, Robinson. Conflitos de Símbolos e Mandato Cultural. http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/334/conflito-de-simbolos-e-mandato-cultural/robinson+cavalcanti, 20102

PRATA, Sérgio. Iconoclasmo. http://www.sergioprata.com.br/port/iconoclasmo.html, 2015

SCHAEFFER, Frank. Viciados em Mediocridade.  São Paulo: W4 Editora, 2008 

SURIVAN, Thiago. Evangélicos e as Imagens. https://thiagosurian.wordpress.com/2014/06/19/evangelicos-e-as-imagens/, 2014







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