sábado, 12 de abril de 2014

Indústria Cultural e Movimento gospel




Em um artigo anterior, tentei demonstrar através de uma abordagem bem simplória a razão pela qual escutar música secular não me parece ser pecado. Nas próximas linhas, tentarei discutir como o fenômeno da música gospel se relaciona com a indústria cultural e a cultura de massa, se moldando da maneira como conhecemos.

O relacionamento entre cultura de massa – ou cultura de consumo- e música sacra se dá em um contexto capitalista e pós-moderno. Tal relacionamento entre sagrado e profano, só é possível pela dissolução dos paradigmas rígidos e das verdades universais, da manifestação da secularização e da predominância da lógica capitalista, perpetrada no ingrediente mais importante desta equação, o mundo do consumo.

O gospel como conhecemos surge desta manifestação. Antes apenas um vocábulo indicativo de uma expressividade musical do evangelicalismo avivalista norte- americano, o gospel torna-se uma cultura, que encerra em seu movimento uma modernização da liturgia de louvor, com consequente intervenção midiática e sacralização do consumo (MENDONÇA, 2007).

Deste modo, esta particular expressão de arte sacra se molda ao universal decadente de um dos aspectos do capitalismo, a chamada indústria cultural. A indústria cultural poderia ser definida como uma ferramenta capaz de “moldar” arte em mercadoria, operando a alienação da arte e sua transformação em uma coisa pasteurizada, sem visão crítica. Neste sentido, arte se torna mercadoria, forma torna-se molde e contemplação estética, consumo.

Quando a música religiosa toma como modelo este referido aspecto, sua manifestação não se demonstra diferente daquilo que é visto no mundo cultural não litúrgico. Não se tem um aspecto de sensibilidade estética do belo, o aspecto autoral se perde “nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e reconhecido. (HORKHEIMER; ADORNO 2002)”

Neste quadrado pseudoestético, sempre há mais do mesmo, operando-se neste processo um empobrecimento da forma artística e do conteúdo teológico, aquela sendo pautada cada vez mais por recursos mercadológicos e o último revelando-se muito menos sagrado do que profano, através de sua centralidade no indivíduo e suas dores, vitórias, derrotas ou sonhos. Há nestas duas faces dois aspectos da pós-modernidade que para muitos são desapercebidos: a entronização do consumo em nosso cotidiano e a subjetividade e egocentrismo de nossas práticas, inclusive aquelas que são marcadamente comunitárias e transcendentes como é a religião.

O gospel em sua roupagem contemporânea é uma ferramenta de destruição da arte sacra, na transversão do louvor artístico em produto de consumo, ou melhor, em cultura de consumo, ele é a expressão da profanação capitalista do cristianismo. Como todos os outros elementos da indústria cultural em suas respectivas atuações, o gospel submete a arte cristã a métodos de produção em massa, a dinâmica do lucro e aceitação, produzindo alienação massificada em prol de sua sobrevivência.

Esta iniciativa ocorre em dois movimentos, o primeiro ataca a arte e o segundo o conteúdo teológico das músicas cristãs. No que toca a arte, como já falado, transforma-se arte sacra em produto sem gosto estético rebuscado; naquilo que toca o conteúdo teológico, há perda do ensino, do louvor a Deus e há a adoção de uma perspectiva de autoajuda, subjetivista, egocêntrica e cheia de frases feitas.

Para a retomada dos aspectos teológicos das canções em um início de retorno ao louvor, necessário se faz o escândalo, não o que o mundo conhece, mas aquele que é próprio de Cristo (Isaías 8:14/ Romanos 9:33/ 1 Coríntios 1:23), que como Deus, se fez homem e assim nos salvou, uma volta à teologia cristocêntrica.

E em relação a arte, concordo com Adorno e Horkheimer (2002), arte é ruptura, mesmo que sua transcendência dependa do estilo, ela não é refém deste; ela -de certo modo- o rompe. A obra medíocre se conforma com a imitação de outras, disfarçando-a de identidade, de estilo, a indústria cultural repete e absolutiza a repetição em seu menosprezo a inteligência artística, contudo, a verdadeira arte enaltece a autonomia e demonstra plena possibilidade na materialidade estética da beleza impossível na vida real.

Enfim... temos um longo caminho.


Indústria Cultural in: Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstria_cultural. Acesso em 11/04/14.

HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas. Pp. 169 a 214. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 364p.

MENDONÇA, Joêzer Souza. Canção Gospel: Interações entre religião, música e cultura pós-moderna. In: Acta Científica, 2007







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